Elas se odiavam. Mas não era esse ódio comum, de querer
distância a todo custo, e sim aquele ódio grudento, onde cada uma queria estar
perto da outra para mostrar como era “superior”. E isso desde muito tempo.
O Pedro e o Joaquim, coitados, eram os que mais sofriam.
Cresceram tendo que manter a amizade mesmo com a rivalidade das mães.
Tudo começou com uma briga no colégio, nos primeiros dias de
aula. Elionor – mãe do Pedro – e Claro – mãe do Joaquim – foram chamadas e cada
uma que defendesse seu filho melhor. As crianças, justamente por serem o que
eram, logo fizeram as pazes. Já as mães, estas nunca se entenderam.
Aquela mulher, João Maria, dizia Elionor ao seu marido, não
tem o menor senso de ridículo! É impossível dar credibilidade a alguém que usa,
ao mesmo tempo, listra e estampa.
No apartamento do andar de cima, Clara repetia algo parecido
ao seu marido, José João: Nunca se pode confiar numa pessoa que combina rosa
com laranja! Rosa e laranja, dizia, são como água e óleo.
E ficavam nessa. Se uma via a outra, fazia cara feia,
esbarrava, tomava o lugar na fila, não segurava o elevador, comprava a última
blusa em liquidação, segurava mais forte o braço do marido.
A coisa toda só piorou quando as duas passaram num concurso
para trabalhar na mesma empresa. Aí, além de não irem uma com a cara da outra,
começaram a competir. Quem recebia o melhor salário, quem ganhava mais elogios
do patrão, quem chegava mais cedo... Tudo contava pontos para essa competição
imaginária.
Se o João Maria dava
um presente de aniversário de casamento a Elionor, a Clara exigia um do José
João, mesmo o aniversário de casamento sendo dali a seis meses.
No aniversário da Clara, quando o José João a enchia de
flores, o João Maria tinha de comprar qualquer coisa para Elionor também.
Vejam só, competir não é de todo mal, é uma ação natural do
ser humano. Agora, exagerar, que é também uma ação humana, essa faz muito mal.
Porém isso elas não notavam. Os anos foram se passando e, por incrível que
pareça, Joaquim e Pedro, já pré-adolescentes, tornaram-se mais amigos ainda.
Achavam engraçado a briga das mães.
Certa manhã, logo se espalhou a notícia de que a Clara
estava grávida. Havia passado mal noite passada e o médico tinha comprovado
essa gravidez.
Elionor, fingindo estar penalizada pelo futuro filho ou
filha do casal, o qual ia ser forçado(a) a usar listras e estampas, na verdade
estava fazendo as contas, pelo calendário na sua mão, de quando seria seu
próximo período fértil. A notícia ia se espalhando ao poucos entre os amigos de
Clara, e o seu apartamento não parava de receber visitas, já que era uma pessoa
rica e influente. Era muita atenção, achava Elionor.
As duas muito ocupadíssimas com coisas nada importantes,
esqueceram de buscar os filhos na escola que ficava bastante distante dali.
Os garotos, cansados de esperar, decidiram ir sozinhos para
casa. Assim como as mães, que adoravam expor o que de mais caro tinham, o Pedro
e o Joaquim saíram pelas ruas quase desertas acessando os seus tablets. A
inocência é assim mesmo.
No condomínio, Clara ainda estava conversando com os
convidados, enquanto Elionor tentava convencer João Maria pelo telefone a voltar para casa na semana
que vem, pois tinha uma coisa para pôr em prática.
Assim que desligou o celular, a empregada lhe disse que a
dona Clara estava na porta e que parecia aflita por falar com ela.
Realmente, aflita era a palavra que a descrevia. “Elionor”,
começou, “sequestraram nossos filhos”.
Pela primeira vez, naquela tarde, ambas as família se
reuniram. O João Maria até já tinha chegado. A espera por notícia estava sendo
longa. A polícia tinha sido acionada, contrariando os sequestradores. Os
policiais estavam atrás do esconderijo.
Elionor e Clara se sentiam muito culpadas. E, na verdade,
eram. Agora, a roupa do outra não importava. Só os filhos importavam.
Durante horas, choraram juntas a mesma dor. A dor de
mãe. Além de pessoas bem sucedidas,
mulheres , patroas, amigas ou inimigas, elas eram mães. Em pouco tempo,
perceberam ter mais em comum do que imaginaram. Uma reconfortava a outra,
porque as duas eram as únicas a entenderem o que estavam sentido. O ser sempre transcende
a aparência e, naquele momento, uma via dentro da outra, bem lá no fundo, o que
havia se negado a ver a tantos anos.
Felizmente, a agonia das mães não durou muito tempo. Os
bandidos eram amadores, foram pegos e presos rapidamente. Todavia, vai ver esse
acontecimento precisava acontecer para pôr no lugar algumas coisas.
Com seus filhos sãos e salvos, uma olhava e sorria com
alívio para outra. Ainda bem que não podiam escutar pensamentos, porque Elionor
pensava: “Ainda com essas listras e estampas. Isso eu não aguento”.E Clara
retorquia, por pensamentos, à altura: “Talvez no dia em que rosa combinar com
laranja, nós nos tornemos amigas.”
Triste engano. Há coisas que nunca mudam.