Um certo dia, aos 8
anos, Maria Rita chegou para sua mãe e disse:
- Mãe, a senhora não
vai ser avó.
- Não vou ser avó? Por
que isso agora, Maria Rita? De qualquer maneira, você ainda é muito nova para
pensar nessas coisas.
Não se intimidando
pelos comentários da mãe, a garota continuou:
- Decidi que quero
morrer virgem.
A mãe, que estava
bordando um pano, virou-se e encarou a filha. A coisa estava começando a ficar
séria.
- Desde quando você
sabe o que é ser virgem, minha filha? E quem enfiou essa história na sua
cabeça?
- Ninguém enfia nada
na minha cabeça, mãe. Só decidi que quero morrer virgem.
- Querida, esses
assuntos ainda não são para você. Além do mais, você nem sabe o que é ser isso
direito. Quando você crescer, vai achar graça disso.
- Não, não vou. Vou
morrer virgem.
E saiu saltitando para
brincar com suas bonecas.
Crianças inventam
tanta coisa, pensou a mãe. Isso é apenas uma fase. Com certeza ela teria visto
aquilo em algum filme ou novela e decidiu repetir, como acontece com toda
criança. Morrer virgem, tem até graça. Logo a Maria Rita, que é tão espevitada?
Nunca. Daqui a uns vinte anos, vou estar correndo atrás dos meus netinhos pela
casa. A mãe acalmou-se e esqueceu o assunto, já que não lhe deu muita
importância. Não mencionou o ocorrido a ninguém.
Só que, como já foi
dito, Maria Rita vai até o fim. Aos 12 anos, sentada na mesa comendo a ceia de
natal, escutava a mãe contar entusiasmada para os parentes que a sua garotinha
agora era uma mocinha.
- Não acredito! A Ritinha?
Mas lembro que até ontem a segurava nos braços.
- Pois é, como o tempo
voa!
E o pai comentou:
- Voa mesmo. Daqui a
pouco eu serei avô.
E Rita, que estava
prestando atenção à conversa mas que se mantivera calada até então, abriu a
boca e perguntou, inocentemente, ao pai:
- Papai, o senhor
amaria um neto adotado, não amaria?
- Adotado? – Pego de
surpresa, continuou: - Claro, filha... Mas, um adotado nunca substitui um neto
que tem seu sangue, não é?
- Mas eu não vou ter
filhos. Vou morrer virgem.
Todos se entreolharam
confusos por um segundo. Aquela menina entendia o que estava dizendo?
Até que o silencio foi
quebrado:
- Você vai querer ser
freira, é isso, Ritinha?
- Não, tia.
Durante toda aquela
noite não se falou mais naquele assunto, todos estavam receosos demais. Porém,
no outro dia, Maria Rita era o assunto de todos da família. Até o tio que
estava de férias no Paraguai soube o ocorrido. Era só no que se falava, embora
ninguém levasse a sério as palavras da criança. A notícia era dada como se
fosse uma piada. A garota só tinha 12 anos e queria morrer virgem, vejam só!
Maria Rita fez 13, 14,
15, 16... e aí veio seu primeiro namorado, o que fez os pais pensarem que,
lógico, ela tinha desistido da ideia absurda.
Mas não. Ela tivera 4 namorados e todos haviam arranjado um jeito de
acabar com o relacionamento quando descobriam a maluquice que ela insistia em
levar em frente. Nenhum durava. Ninguém a amava. Por vezes, a pobre menina quis
desistir da sua promessa, mas seu ego era maior que a vontade. Ao ser indagada
o porquê de tudo aquilo, ela apenas respondia:
- Quero alguém que me
ame. Quero a pessoa certa.
Difícil ser diferente
de todo mundo, ela bem sabia disso. Mas, de um jeito maluco, ela acreditava
poder fazer a diferença. Ela acreditava estar plenamente certa. Ela acreditava
que o problema não era ela, era o mundo, os outros. E quem poderia ir contra à tal irredutível pessoa?
Como o texto é meu e
como eu escrevo que me der na telha, vamos ao fim bonito e previsível.
Maria Rita teve a
coragem que as Marias Ritas do mundo não têm: a coragem de não desistir, seguir
em frente. Aquilo já era questão de honra.
Começou seu
relacionamento “sério” (com as aspas, ainda, porque o segredo ainda não tinha
sido revelado) com o quinto cara e, decepcionada com a vida e com as pessoas,
não esperou muito. Mas ela era direta, sem rodeios, sem pausas, sem vírgulas –
diferentemente da simples mortal que vos escreve - , e, como fizera quatro vezes antes,
segredou, numa tarde, o seu desejo ao namorado.
- Você precisa saber de uma coisa...
- O quê?
- Eu quero morrer
virgem.
- Eu também quero
contar uma coisa.
- O que é?
- Te amo.
E foi ali que a menina
que não queria ser mulher soube: tinha
encontrado a pessoa certa. Procurou, procurou, procurou e finalmente havia
encontrado o seu encaixe. A garotinha que com 8 anos viu num filme uma garota
de 16 dizendo à sua mãe que queria morrer virgem só para poder convencê-la de que não iria fazer nada de errado numa festa, e correu para imitar a fala expressiva e legal que achara para sua mãe,
e depois só continuou aquilo por pirraça, porque não queria voltar atrás,
porque queria mostrar às pessoas que ela estava certa – nem ela mesmo tendo
certeza disso, agora encontrara alguém que não ligava para aquilo. Era isso
mesmo? Maria Rita 1, Sociedade 0?
A senhorita virgem
noivou, casou e começou a morar junto. E depois teve filhos. Não, não eram adotados.
Isso é só mais um texto bobo e meu, então eu termino assim:
Ela teve relações
sexuais, mas morreu virgem. Virgem de influências alheias. Porque quis assim.
Porque eu quero assim.
Vamos combinar, a
Ritinha era muito espevitada, não é mesmo?
Morreu Virgem. Com
letra maiúscula, uma vez que é mais expressivo. E uma vez, é claro, que o texto
é meu. Que vocês todos sejam as Marias Ritas do meu texto inventado, e que o destino seja um escritor tão
generoso quanto eu, modéstia à parte.