domingo, 25 de agosto de 2013

No sábado em que me senti importante

Sempre cresci com a certeza de que político não presta. Que votar é perda de tempo. Que é um absurdo sermos obrigados a isso. Que se não fosse obrigatório, quase ninguém ia. Que prometem, mas cumprir que é bom... nada! Que os candidatos são uns amores em época de eleição, distribuindo sorrisos aqui, apertos de mão (e quem sabe uns cinquenta reais disfarçadamente) acolá. Por isso nunca me importei muito com política, pus na cabeça que só ia votar quando fosse obrigatório mesmo, depois dos 18, e todo mundo me apoiava. Porque é horrível ter de perder várias horas da sua vida numa fila imensa para votar em alguém que não dá a mínima para você. Pensava assim mesmo, juro. 

E foi por isso que minha mãe achou estranho quando eu disse que queria fazer meu título, mesmo só tendo meus 16. Tenho mesmo essa extrema facilidade de mudar de opinião. E isso é bom, certo? Ela tinha que fazer o tal do recadastramento biométrico, que custava me levar junto, então? E daí nós fomos: eu, ela, minhas duas tias e os meus dois primos. Porque programas assim também podem se fazer em família.

Uma fila imensa nos esperava. 

Nunca vi cristão mais apressado que brasileiro. Talvez seja porque eu nunca saí do país. De qualquer maneira, tinha muita gente reclamando lá e só um pobre homem tentando acalmar os ânimos gerais. Tudo bem que estava fazendo um sol dos diabos, mas o que são vinte minutos de espera numa fila? O que é uma hora de espera comparada ao tempo que você já viveu, ao tempo que você perdeu assistindo, sei lá, um jogo de futebol, ou fazendo qualquer outra coisa inútil? Mas é claro que brasileiro tem que reclamar. Ô moço, como você pode deixar a mulher passar? Ela chegou atrasada. As três horas já passaram, já são três e cinco! Isso é um desrespeito! Queria que as pessoas dedicassem tanta atenção a coisas mais importantes que, só pra variar, não estivessem relacionadas a elas mesmas. Tem noção da quantidade de gente espalhada pelo mundo passando fome numa hora dessas? Num século desses?

Não gosto de quem me chama de senhora. Eu não sou uma senhora. Mas o homem que me atendeu me chamou de senhora umas vinte vezes. O nome da senhora, por favor. Os nome dos pais da senhora, faça o obséquio. Onde a senhora deseja votar? Poxa. Eu entendo perfeitamente que o homem estava sendo educado, e não é que eu odeie quem me chama assim - até porque eu não odeio ninguém -, é só que quando me chamam assim eu me sinto extremamente velha. E eu não gosto. Não gosto quando chamam as pessoas de um nome que não é delas. Não gostaria que chamassem a laranja de banana, por exemplo. Acho que já deu para entender. Claro que fiquei calada. Deixei ele me chamar de senhora à vontade. Até porque o trabalho que ele fazia é muito chato. Ficar explicando os mesmos termos todo dia a pessoas diferentes deve ser muito chato. Ele merece um desconto.

"A senhora pode me emprestar seu título um minutinho?" "Não tenho título, não. Eu quero fazer um."  Foi a primeira coisa que dissemos, eu e o homem que me chamava de senhora. E naquele momento eu quis explicar as razões que fizeram eu me deslocar da minha casa até lá, mesmo com a imensidão de coisas para fazer e com o Cem Anos de Solidão para ler. Primeiramente, diria eu ao moço, eu preferiria ser chamada de senhorita. Depois que você deve estar se perguntando o que uma pessoa tão jovem veio fazer aqui. Ou então nem esteja, porque você me perguntou se eu era casada e talvez não me ache jovem. Mas eu queria dizer que não acompanhei a luta das mulheres pelo direito ao voto. Não sei onde ficam as pessoas quando ainda não nasceram, mas eu estava lá. Só sei que foi uma conquista e tanto. Teria até chorado se fosse viva. As mulheres estavam saindo às ruas e não era para levar filho à escola, nem para levar marmita ao marido: era para votar. Era para finalmente ser cidadã de uma sociedade que a excluiu durante milhares de anos. Durantes milhares de anos elas foram subjugadas e obrigadas a viver em função do marido, que era o chefe da família, que possuía a última palavra. Agora, elas estavam votando. E isso foi um grande passo que, inclusive, começou aqui no Rio Grande do Norte e só depois em todo o resto do país. E me dá uma aflição tremenda ao pensar em quantas mulheres tão inteligentes quanto Newton ou Einsten morreram sem saber disso porque nunca puderam exercer sua capacidade mental. Eu não vejo outa maneira, além dessa, de retribuir àqueles que lutaram para que eu, mulher, tivesse esse direito garantido hoje. Por isso vou votar da maneira mais conscientemente possível que puder. Vou votar por todas aquelas que não puderam. Até que teria dado tempo dizer isso ao homem, se eu quisesse. Ele passou uns dez minutos tentando descobrir como se fazia para criar um título de eleitor, aí no fim descobriu que era só pôr minha data de nascimento lá e pronto. Mas não sou de ficar batendo bapo com gente estranha. 

Perdi uma tarde inteira e talvez nem consiga terminar de ler Cem Anos de Solidão antes da data carimbada para devolução, mas quem se importa? Eu sou importante, sou eleitora.

sábado, 17 de agosto de 2013

Os cheiros da minha vida


Tenho uma prima com 12 anos que está usando, coincidentemente, o mesmo perfume que eu usava quando tinha 12 anos. E, ao sentir aquele cheiro adocicado, lembrei-me daquela época da minha vida como se ela tivesse acontecido ontem. 
Eu tenho muito a mania, ou melhor, a "habilidade" de relacionar cheiros a momentos. Foi só ver ela passando aquele perfume de vidrinho azul que eu lembrei do sétimo ano, das milhares de fotos que eu e minhas amigas batíamos naquela época e do meu gosto musical terrível. Não sei explicar como, nem sei se isso acontece com outras pessoas, mas aquele perfume tem cheiro de sétimo ano, tem cheiro de 2009. Assim como um antigo perfume que eu usava que tinha a Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, estampada no frasco de plástico me lembra da minha infância e das várias coisas que aconteceram nela. Joguei um frasco desses há pouco tempo fora, ainda com perfume dentro, vencido sabe-se lá há quantos séculos. De qualquer maneira, não resisti e tive que abrir a tampa e sentir o cheiro da minha infância ali dentro. E fiquei feliz em constatar que, depois de tanto tempo, eu ainda o reconhecia perfeitamente.
E eu nem me importo com isso de perfumes. Não entendo também, nem dos nomes eu sei. Não conheço essências porque, para mim, perfumes só têm cheiro de etapas da minha vida. Geralmente quem os compra para mim é a minha mãe. Se gostar, eu uso. É bastante normal eu não acabar um perfume. Na verdade, acho que nunca usei um até o fim, porque eu enjoo fácil e quero trocar logo. Daí que o meu guarda-roupa é cheiro de perfumes pela metade. Se eu quero relembrar o ano passado, é só ir lá e passar o perfume de frasco roxinho que eu usei durante boa parte do ano. Vou lembrar do meu ingresso no Ensino Médio e de todas as implicações que isso teve. Assim como posso relembrar outros tempos do meu passado só abrindo facilmente outros frascos.
Eu tinha - ou ainda tenho, não sei ao certo se joguei fora ou não - um perfume muito lindo e cheiroso. Um dos meus preferidos. Devo ter usado ele várias vezes, mas me lembro de algumas em especial. Usei ele na minha formatura, então ele tem cheiro de uma Luana com sete anos. E também eu o usei num dos aniversários mais legais da minha vida. Tinha de tudo naquela festa. Desde pula-pulas, onde eu me esbaldei de pular, até fogões de mentira para você cozinhar comidas de mentira. E tinha salão de beleza de mentira. Eu devia ter uns seis anos naquela época, mas eu me lembro dela. E me lembro mais ainda quando sinto o cheiro do perfume que eu usava...
Perfumes também me lembram pessoas. Eu costumo prestar atenção, mais involuntariamente que voluntariamente, nos perfumes que as pessoas mais próximas a mim usam. E quando eu sinto aquele cheiro na rua, procuro logo pelo alguém. Mas sempre acontece de ser outra pessoa, e não a que eu procurava. É incrível como tem tanta gente usando o mesmo perfume por aí.
Eu tenho um perfume bem fraquinho, que eu acho delicioso, que só uso em casa. Quando sinto ele em alguém, eu me lembro da minha casa. Lembro que poderia estar na minha cama, quentinha, tendo um livro como companhia. Quando alguém passa repelente, principalmente um infantil que é verde (sim, eu sou péssima com nomes), eu sou transportada à casa em que eu vivi até os nove anos. Toda santa noite eu passava repelente para dormir. Eu posso estar estudando para a prova mais difícil de todas, posso estar tendo a conversa mais agradável de todas, contudo, ao sentir o cheiro, minha mente me levará contra a minha vontade até aquela casa de portão marrom. 
Vai saber se a minha capacidade olfativa é diferente das demais, só sei que cheiro para mim não é só cheiro. Cada um que eu sinto tem um significado que guardo num lugar especial do cérebro. Quem sabe um dia eu compre todos dos perfumes que já usei na vida só para relembrar certa época vez ou outra. Nostalgias são deliciosas.

domingo, 11 de agosto de 2013

Pior comentário

Sinceramente, às vezes eu queria poder abrir meu cérebro e doar um pouco de bom senso a quem não tem nenhum. Eu sou uma pessoa bem calma, mas se você quer me irritar, me mostre um comercial de cerveja. Ou, pior, aja como os idiotas dos comerciais de cerveja. Porque eu não vejo por qual motivo - e acho que vou continuar sem entender pelo resto da vida - os homens têm de reafirmar a sua heterossexualidade a cada segundo. Meu amigo, eu não quero saber se você gosta de homens, mulheres ou plantas. Conviva com o fato.
Então daí, para mostrar que é um "macho alfa", que é homem "de verdade", esses seres encharcados de testosterona se veem no direito de falar as coisas mais horríveis possíveis para uma mulher que passa na rua. Acham-se no direito de incomodá-la, de observá-la descaradamente, de passar a mão e, nos casos mais extremos, de estuprar. Só para mostrar que, vejam só!, gostam de mulheres. Talvez eles estejam tentando convencer mais a si mesmos do que aos outros, mas, de qualquer maneira, eu fico me perguntando se eles não notam, se não têm a mais remota ideia de que isso é terrivelmente errado. Aprendemos desde cedo que a nossa liberdade termina aonde começa a do outro. 
Me deu uma ânsia de vômito enorme quando, hoje, eu li um dos piores comentários que poderia ler numa rede social qualquer. Era um homem convidando seu amigo para ir à praia desfrutarem da vista de mulheres (pausa para eu ir ali vomitar) deliciosas.
E existem tantas coisas erradas nessa frase e nesse homem e nessa vida e nessas pessoas e nesse mundo que me dá desânimo. Primeiro de tudo que mulher não é objeto de contemplação masculino. Ela não é obra-de-arte para a gente ficar apontando os "errinhos" das formas. Depois que deliciosa é o último do último do último adjetivo que se deve usar para descrever uma pessoa, seja ela quem for. Comidas são deliciosas, não pessoas, e isso é óbvio! Assim como outras variações: gostosas, quentes e etc. Não sei se isso é tão difícil assim de perceber, mas mulheres são pessoas. Elas não precisam de elogios nojentos para se sentirem completas ou felizes. Foi-se o tempo em que uma mulher precisava de uma homem para "existir" através de sua figura. Então, eu quero deixar uma singela súplica um singelo aviso:
Homem, nunca dê às mulheres os adjetivos que se dão às comidas. Isso me deixaria eternamente grata. Valorize o sexo feminino. Eu tenho pena de você porque fico imaginando... você tem a mínima noção de quantas mulheres legais deixou de conhecer só porque levou a aparência como primeira e única consideração? Não faça mais isso. E dica: existem vários adjetivos bacanas para se elogiar sinceramente alguém, olha só: você pode chamar a garota de linda, especial, fantástica, meiga, incrível, adorável, esplêndida, interessante, harmoniosa, agradável. É só usar um desses e ser feliz sem ser um imbecil.
Mulher, não se sinta lisonjeada quando assobiarem para você ou te chamarem de deliciosa. Você é uma pessoa e merece ser tratada como uma. Você não é um troféu para ser admirado. Gostoso é o tapa que o ser merece por dizer tais absurdos, porque tapas sim podem ser deliciosos, a pessoa paga para ver? Enquanto isso eu vou estar aqui, no meu lugar de sempre, esperando a humanidade finalmente progredir.

domingo, 4 de agosto de 2013

Sobre o Bento e sua idiotice


Quando eu li Dom Casmurro pela primeira vez, aos 14 anos, achei um porre e não é porque Machado de Assis é Machado de Assis que eu vou negar o acontecido. A leitura me foi enfadonha e eu me arrastei o máximo que pude, porque achei Bentinho um chato e não estava muito interessada na fidelidade de Capitu, pra ser sincera.
Passados dois anos, eu reli o romance e, apesar de continuar achando Bentinho uma das pessoas mais chatas da ficção, li o livro rapidinho e tenho de admitir: o livro pode ser tudo, menos enfadonho. E Machado de Assis é uma das pessoas mais incríveis cuja honra de conhecer nunca terei. Não só por escrever de uma maneira incrível, mas por fazer do leitor seu amigo mais íntimo.
Só que eu não vim falar do Machado, até porque não tenho cacife para tal, mas sim da raiva extrema que me dá a ao menos escutar o nome Bento Santiago. E digo mais: não, ele não amava Capitu. 
Eu já escutei várias vezes que o tema central do livro não é a dúvida se ocorreu ou não a traição, mas esse é o tema central desse post, então, vamos hipoteticamente pensar que a garota o tenha traído mesmo. Vamos fingir que o Escobar lindo e cheiroso a tenha seduzido e ela tenha consentido em manter algumas relações secretas com ele. Não é novidade que eles tenham aprendido a gostar um do outro; devido a tanta convivência, até mesmo Bentinho sentiu-se meio inclinado a pensar em Sancha. Agora, se houve mesmo essa traição, Capitu não esperava que surgisse um filho dela, certamente. Ao milagrosamente num dia acordar e perceber - assim, de uma hora para outra mesmo - que o pequeno era a cara do amigo, Bentinho passar a tratar com ódio e repulsa a mulher e o pequeno Ezequiel.
Ele ao menos tirou satisfação com a esposa, nem a quis mais olhar na cara. Se ela mesmo o traiu, ele sequer quis saber os motivos, perguntar se estava arrependida. O ciúme o fez mais cego que uma porta. O que ele queria, na verdade, era aqueles olhos de ressaca voltados para si e somente para si. Ele não a amava, ele ouviu da boca de terceiros que a amava e acreditou. E eu digo isso baseada num fato: ele não a perdoou.
Quando a gente gosta de alguém, a gente perdoa um monte de coisas. Coisas que nos incomodam nos outros, não incomodam naquela pessoa. E se ela faz algo errado, a gente tenta compreender o porquê daquilo. E depois, se a explicação for convincente, a gente perdoa. Perdoa até vezes demais. 
Mas Bentinho não dá segunda chance a Capitu, acho que todos já conhecem a história. Ele, metido e mimado, castiga-a com sua ausência e indiferença, achando que todas as suas proposições eram verdadeiras e que Capitu já tinha tido sorte demais por ter casado com alguém tão distinto quanto ele. Daí ele vira um casmurro e ela morre esquecida.
Tudo teria sido tão diferente se ele a tivesse amado realmente! Não tivesse só balbuciado essas palavras quando estava encantado com os olhos de cigana oblíqua e dissimulada da outra, mas tivesse provado. Talvez ela nem o tivesse traído e ele teria se sentido um bobo por ter pensado mal da sua amada. 
Mas ele nunca a amou, porque se amar não é perdoar, o que mais poderia ser?