sábado, 21 de dezembro de 2013

Presente de Natal



 Aninhada no colo da mãe, ela assistia ao movimento desordenado de pessoas pela rua. Ficava imaginando quais compromissos urgentes teriam elas para andarem tão depressa, e quanta gente elas precisavam alimentar para levar tantas sacolas de comida. Ela, que mal tivera pão naquele dia. Ela, que tinha que dividir o leite meio azedo com os irmãos. Ela, que fingia ser princesa quando fechava os olhos.

Não moravam na rua, não. Moravam num barraco lá bem mais pros fundos; não dava para avistá-lo da rua principal, mas não era longe. Era um lugar fétido e infestado por ratos. Mas ela gostava da sua “casa”. Amarrando uma ponta do seu lençol na janela e a outra no armador mais próximo, e somando a isso um pouco de criatividade, dava-se para construir uma moradia digna de realezas. Ela puxava o irmão mais novo, que mal andava, colocava-o no seu colo de menina e fingia ser mãe. E ninava o garoto como se ele fosse sua boneca mais cara; ele caia no sono e era posto em cima da toalha que servia como berço real. Quem não gostava muito de toda essa bagunça era a mãe. Ralhava com a filha e dizia que aquilo não eram vezes de moça, que quando tinha aquela idade já era dona de casa e que lençol rasgado não alivia o frio do inverno.

A mãe eventualmente podia ser dura, mas era só porque os seus planos de transformar a vida da filha numa vida melhor que a que tivera estavam sendo frustrados. Ainda não tinha trinta anos, entretanto faltava-lhe dentes na boca e a pele era ressecada, os lábios sempre estavam feridos devido à exposição excessiva ao sol. Mãe solteira, vivia da pensão miserável deixada pelo marido e sonhava com o dia em que pudesse comprar pão, bolo e queijo todos dos dias. Sua maior ambição era assim mesmo, simples: não passar mais fome. Nenhum dos seus filhos havia completado os quatorze anos de idade ainda, mas todos já entendia bem o significado dessa palavra e a temiam tanto quanto a mãe.

À tarde, enquanto os irmãos mais velhos pediam dinheiro nos semáforos, a mãe, a garota e o irmão mais novo sentavam no vão entre duas famosas lojas. Quando alguém passava mais perto, a mãe esticava a mão e às vezes algumas moedas caiam ali. Isso acontecia com mais frequência quando o irmão chorava, seja por piedade, seja por vontade de calar aqueles choros. 

A garota olhava espantada todas aquelas vitrines quando ia chegando a época do Natal. Eram muitas luzes, muito brilho, muitos presentes. Não sabia que significado tinha aquela data, não sabia por que a comemoravam, só sabia que ela chegava e era mágico. Ela esquecia da comida que balançava dentro das sacolas e voltava seu olhar para a felicidade que a época prometia. Em todos os cantos existiam árvores enfeitadas com presentes aos seus pés e, vez ou outra, ela deixava a mãe e o irmão ali, ia atrás de uma dessas árvores e ficava se perguntado se algum presente ali embaixo era endereçado a ela. Voltava para a mãe, porque nunca a queriam ali por perto.

Foram sete anos sem presentes nessa data que, para ela, era tão vazia de significado e cheia de alegria. Um dia, sentada no mesmo vão com a mãe e o irmão, chegou um moço com uns presentes. Dizia participar de um mutirão que arrecadava brinquedos velhos, consertava-os e depois entregava-os novos a outras crianças. Ela abriu o seu presente enquanto a mãe ajudava o seu irmão com o dele. Nunca num olhar houve tanta emoção. Nas suas mãos, estava a boneca que seria a mais amada do mundo. Ela abraçou aquele homem que não conhecia, porém já amava. Finalmente, era Natal para aquela criança.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Top 6: séries

Não entendo de séries. Não sei quais critérios deve-se levar em consideração na hora de analisar uma, não sei nomes de atores (existem algumas exceções, é verdade), não sei nome de diretor e nem presto atenção em trilha sonora. Abaixo, listo seis séries por ordem de preferência. Não sei dizer tecnicamente por que gosto delas, só gosto. Talvez um dia eu deixe de ser leiga nesse assunto. Veremos.

6. The Vampire Diaries 


 Comecei a assistir a The Vampire Diaries em 2011 e lembro de ter amado. Cheguei a ver uns dez episódios por dia, mesmo minha mãe reclamando a toda hora que aquilo não era saudável, que quando eu começava a assistir não sabia mais parar. Até um dia desses eu acompanhava a série, mas meu computador esteve com problemas por um tempo e eu parei, nem sei mais em que lugar. A verdade é que eu não estava mais gostando tanto quanto antes. O clímax dessa série NUNCA chega ao fim, é incrível. O ritmo não desacelera e isso meio que me cansou. A história fica dando voltas e voltas e voltas e na minha cabeça formou-se um nó. O que também me cansou, e acho que mais cedo ainda, foi o triângulo amoroso vivido por Elena, Stefan e Damon. Eu acho forçado e piegas. Além do mais, me incomoda o fato de todos dessa série serem extremamente bonitos. NADA contra gente bonita, é claro, mas uma concentração de seres com cabelos lisos e perfeitos, dentes brancos, magros e com uma pele invejável num lugar só? Suspeito. Eles são tão "perfeitos" (dentro desse padrão idiota da sociedade) que soa irreal. Não sei ainda se voltarei a acompanhar. Quem sabe.

5. Dexter

 Untitled | via Tumblr

Já no segundo semestre desse ano, eu fiquei doente e perdi alguns dias de aula. Em casa, tentei pensar em algo que me fizesse esquecer da maldita dor de garganta que estava sentindo. Resolvi começar uma nova série. E a escolhida, por motivos que eu não sei explicar, foi Dexter, que eu passei a amar desde o primeiro episódio. Sei que não tenho muita autoridade para falar, porque, afinal, só assisti às duas primeiras temporadas (isso em três dias, não tive vida nesse período). Mas o fato é que eu adorei o jeito leve e cômico de ser falar de um serial killer. Mais ainda: eu adorei entrar na mente de um serial killer. Os pensamentos do Dexter relatados em tempo real fazem você pensar, por alguns instantes, que você é o próprio Dexter. Vou voltar a acompanhar Dexter, sim, e isso não irá demorar. 

4. The Big Bang Theory

That smile.

Nenhuma série, até hoje, me fez rir tanto quanto The Big Bang Theory (nem mesmo Friends, acreditem).  Eu vejo e revejo os episódios, mas eles nunca me cansam e nunca perdem a graça. Pode ser dia de chuva ou de sol, The Big Bang Theory sempre vai ser amor em forma de série. E se, quando eu estou doente, quero me cantem Soft Kitty, a culpa é do Sheldon.

3. House

Puwr

House é um dos meus personagens ficcionais preferidos. Como não amá-lo? Às vezes ele pode ser grosso. Às vezes pode te dar vontade de esbofeteá-lo, mas a verdade é que ele está sempre certo. Como não rir das suas piadas? Elas são carregadas de humor negro e acidez e mesmo assim eu as acho sempre geniais. Como eu pretendo seguir carreira médica, os questionamentos éticos da série me são muito úteis. Quero ser tão boa médica quanto o House. Eu não assisto à série na ordem cronológica. Eu comecei fazendo isso, e acho que parei na terceira temporada. Agora, eu sempre assisto aos episódios quando estão passando na TV, seja lá em qual temporada estiverem. Isso prejudica, eu sei, o meu entendimento, mas é só que eu não quero ver todos os episódios de House, a verdade é essa. A verdade é que eu não quero que acabe. Nunca.

2. Sherlock

Sherlock and Watson

Melhor adaptação de Sherlock existente na face da Terra. Não sei se vocês sabem, mas Sherlock Holmes é minha paixão literária desde que eu pus os olhos em Um Estudo em Vermelho. Inteligente, sarcástico e dono de charme invejável, Sherlock Holmes tem um espaço enorme no meu coração. Já era muito fã dele quando decidi assistir a essa série perfeita da BBC. Foi amor, apenas isso. Pudera, uma vez que Sherlock é interpretado por nada mais, nada menos que Benedict Cumberbatch. A série mostra a realidade do detetive se ele vivesse no século XXI e todo episódio tem um trocadilho bem legal (até no título) fazendo referência a algum conto do Sir Conan Doyle. E uma das coisas que eu achei bem legal e que não vi retratada em lugar nenhum foi a questão do homossexualismo entre o Holmes e o Watson. Nos contos, o Watson foi muito bem casado e com três mulheres diferentes, enquanto o Holmes nunca se interessou em manter relação alguma com quem quer que seja, pois, segundo ele, paixão atrapalha o intelecto. Eles eram só muito bons amigos. Só que trazendo essa amizade dos tempos vitorianos para o mundo atual, acho muito sensato que seja retratada a dúvida: eles são só amigos ou algo a mais? Isso é o que se perguntam pessoas logo na primeira temporada da série, e eu acho justo. Inclusive, uma das coisas que me fez não gostar de Elementary foi o fato do Watson ser uma mulher (pronto, disse!). Mal vejo a hora da estreia da terceira temporada. Não é querendo soltar spoiler, mas o que foi aquele final? Como foi que aquilo aconteceu? Como pode? Só sendo o Sherlock mesmo.

1. The Walking Dead

The Vampire Queen | via Tumblr 

Tive sérias dúvidas com relação a esse 1º lugar. Mas já que The Walking Dead é a única série que eu acompanho religiosamente, nada mais que merecido. Já falei dela por aqui, porém nada do que eu diga será capaz de deixar claro meu sentimento de amor e medo por essa série. É claro que tudo é de mentirinha, mas eu sinto medo por eles e não por mim. Eu quero tanto saber onde isso irá acabar que eu comecei a ler as HQs. Há quem pense que essa é uma série sobre zumbis, eu também pensava assim. Mas, nada verdade, The Walking Dead é uma série sobre pessoas. Sobre o que fazemos para nos manter a salvo, aonde chegamos para proteger quem amamos. Não precisamos de um apocalipse zumbi, porque nós já estamos vivendo num apocalipse. Estou, por acaso, mentindo ao dizer que existe a possibilidade de não voltarmos vivos para casa? Que existe gente sem água para beber? Comida para comer? A única diferença entre série e vida real é que, na série, os personagens têm noção desse fato e, por isso, fazem de tudo para manter intacta sua humanidade. Alguns de nós, entretanto, não tem muita preocupação com a sua. Sem dúvidas, uma das séries que mais me marcou e me fez refletir. Que bom que um dia eu a encontrei.

sábado, 7 de dezembro de 2013

É tudo invenção?

Eu li, recentemente, uma reportagem sobre uma especulação de um renomado cientista chamado Robert Lanza. Ele dizia, simplesmente, como quem explica ao filho de dez anos de onde vêm os bebês, que a morte é uma invenção da mente humana. Invenção que algum homem das cavernas criou e que, por algum motivo, como dizem os adolescentes, "pegou".

E eu não sei se fico grata ou chateada com esse sujeito. A ideia de morte me é aterrorizante, já falei sobre isso por aqui (só a título de explicação: sou agnóstica), PORÉM é como todos dizem: é a única certeza que temos na vida. Toda a nossa vida é pautada em cima disso. Vivemos em função da morte: pagamos caixão antecipadamente, vamos ao médico uma vez por mês, tentamos adiá-la o tanto que pudermos, mas ela sempre chega, fria e sorrateira. Então vem esse cientista afirmando que "esse evento não passa de uma ilusão criada por nossas mentes". E eu, feito Drummond, me pergunto: e agora?

 Sempre deixei minha mente aberta a todo tipo de ideia que possa ter fundamento. Como achei a hipótese dele interessante, ou ao menos plausível, processei os fatos por um tempo e acabei ficando mais confusa ainda. 

Suponhamos que a única certeza que nós tínhamos - a de morrer - agora caiu por terra. Foi invenção. Me contaram isso desde o dia em que nasci e eu acreditei. Mas é duvidoso. A morte pode não existir. Se essa certeza antes inabalável agora não é certa o que posso eu saber realmente? Nada. No momento em que a base, a mais sólida das coisas, balança, tudo despenca. Todo o trabalho de séculos feito pelo homem está estilhaçado. O homem, esse ser que inventou a lâmpada, o carro e o computador, é o mesmo homem que disse que o momento em que o coração para de bater e o cérebro de trabalhar é chamado "morte" e deve ser temido e todos acreditaram. Mas não! Não sei mais se a porta é porta, se o mundo é mundo, se eu sou eu. E se eu não posso mais saber se eu sou eu, Robert Lanza, autor de toda essa problemática que toma conta da minha cabeça, não tem como saber se é mesmo Robert Lanza. E, não sabendo, não pode dizer que a morte é produto das nossas mentes, porque, fazendo isso, ele também se torna um produto, se torna irreal. Ou seja, agora eu não sei de mais nada!

Essa sensação de ignorância perante o mundo é a mesma que senti ao ler Assim Falava Zaratustra. E detalhe: eu desisti. Quer dizer, dei um tempo. Isso se chama negação. É um mecanismo usado pelo nosso cérebro que nos impede de querer nos matar com perguntas que vão além do concebível pelo nosso limitado imaginário humano e é o que eu estou fazendo agora ao terminar esse texto sem uma resposta definitiva para o título. É o que me faz esquecer todo esse dilema envolvendo a morte e me preocupar com problemas com os quais eu posso lidar. Quem quiser quebrar a cabeça com especulações, à vontade. O mundo está cheio delas. Minha mente, agora, está ocupadíssima tentando se lembrar onde raios eu guardei o cabo do meu celular.
 

domingo, 1 de dezembro de 2013

A carta

 

Quando era adolescente e ideias revolucionárias pairavam sob sua cabeça esperando pousar e criar raízes, ela escreveu uma carta. Escreveu tudo no ímpeto da fúria, traduzindo em palavras todas as suas inquietações para com o mundo e para consigo mesma. Xingou o Seu Nestor, que vivia dando pitaco nas suas andanças; teorizou sobre o porquê das suas tias se importarem tanto com os seus quilos a mais; deu provas conclusivas de que não importava o quanto tentasse, seu desempenho em matemática sempre seria horrível. Era uma carta bem elabora de 15 páginas, escritas à mão com uma caneta preta e guardava nas suas linhas toda a raiva juvenil. Todavia dentre todas as acusações e injúrias, grande parte da carta - quase a metade - era direcionada à sua recém paixonite e analisava todos os pormenores, à la Sherlock Holmes, dos seus três encontros com ela.

O primeiro fora na esquina da rua onde morava. Um observador desatento não o teria notado, mas ela, que sempre andava alerta e à espera de qualquer surpresa inconveniente, viu-o passar por si como um raio e ainda o espreitou pelo canto do olho, quase tropeçando por causa disso. Nos sonhos daquela noite, aquele rosto lhe apareceu e ela acordou intrigada com o seu próprio inconsciente. 

Quando uma mão pesada tocou seu ombro e sua cabeça virou para olhar quem era, não teve dificuldade de se lembrar do garoto que vira outro dia na rua, enrubescendo em seguida ao pensar involuntariamente no sonho que tivera e perguntando-se o que ele pensaria se soubesse. Sentou ao seu lado e contou-lhe que acabara de se mudar para  aquele prédio. "Estou incomodando? Se sim, sento em outro lugar." "Não, imagina."  Uma pergunta difícil permeou a cabeça da garota logo depois que acabou a conversa bem-humorada de quarenta minutos deles: a simpatia era gratuita ou ele estava a flertando? A linha que separava as duas coisas era tênue e ela preferiu não tirar conclusões por ora, esperando por outra oportunidade. 

A outra oportunidade, entretanto, não foi bem como esperava. Quando estava sentada no mesmo banco, ele veio informá-la que, infelizmente, mal chegara ali e já ia se mudar novamente. A avó estava doente e a mãe queria ficar perto dela em tempo integral. "Puxa. Melhoras para a sua avó." "Obrigado." A conversa daquela vez foi mais rápida e constrangedora, como se os dois estivessem se perguntando internamente se deveriam ficar tristes pela separação ou se não houvera tempo para isso. 

Foi uma semana triste para ela, que rememorou os encontros várias e vária vezes, praguejando o destino por ter sido tão mau e impedido que ele se encantasse por ela tanto quanto ela se encantou por ele. Ficou imaginando o que poderia ter acontecido se ele não tivesse ido e isso a acalentou antes de dormir diversas noites. Descobriu-se apaixonada depois da sua ida e sabia que isso era horrível, porque era uma ida sem volta. As chances de reencontro eram ínfimas. 

Então escreveu aquelas 15 iradas páginas. Começou relatando os infortúnios de gostar de alguém que nunca voltará e depois, como se a chuvinha fraca tivesse virado tempestade, esbravejou acerca de todas as injustiças que acometiam o mundo. Escreveu como se não houvesse amanhã, como se aquelas palavras estivessem engasgadas há muito tempo, como se aquela carta fosse a carta que mudaria o mundo. 

Envergonhada após de ler tudo que com tanto afinco defendera, queimara o trabalho de tantas horas achando-se a garota mais idiota do mundo. Ela ainda lembra, apesar de tantos anos, do cheiro de papel queimado que ficou impregnado nos seus cabelos. Lembra-se mais nitidamente, como se fosse ontem, das batidas pesadas na porta da sala. Sabia que a mãe iria sentir aquele cheiro e iria perguntar o que acontecera. Droga!

Mas não era a mãe.

Era ele.