sexta-feira, 26 de junho de 2015

sobre o xingamento de todo dia

Com a notícia do desentendimento entre o Boechat e o Malafaia que explodiu nas redes sociais, eu me peguei dizendo: bem feito! Até porque, aliás, sou adepta da teoria de que de vez em quando é preciso maneirar na educação com gente imbecil: não sou obrigada a ser solícita e sorridente com tipos parecidos com o Malafaia, por favor. Dar uns "chega pra lá" também é importante. Mas toda essa discussão me fez refletir, principalmente inspirada na postagem da Nádia Lapa no seu Facebook, que é muito difícil xingar - pelo menos em português.



Me lembrei logo de um texto do Gregorio em que ele fala sobre como atacamos as mulheres mesmo quando estamos tentando xingar os homens. E essa situação pode ser estendida a qualquer momento da vida: experimente tentar vociferar contra o idiota do seu vizinho que fez fiu fiu quando você passava. As primeiras coisas que te virão à cabeça, provavelmente, estarão entre um "filho de uma puta!" (como se a mãe do indivíduo necessariamente compactuasse com ele) e um "vai tomar no cu!" (como se fosse ofensivo sentir prazer de um jeito tido como menos "convencional").

E, poxa, fiquei muito triste com essa situação. O preconceito está por todos os lados, no agir e no falar cotidianos. Em tempos onde cresce o fundamentalismo, me preocupa que essa discussão não seja mais ampla. 

Sei que muita gente faz birra com o politicamente correto, principalmente certos humoristas de fundo de quintal que para a minha surpresa se tornaram pessoas famosas (inclusive, recomendo esse documentário, que tem gente incrível como a Lola, o Antonio Prata e o Jean Wyllis dizendo tudo que eu queria dizer sobre a covardia de fazer piadas menosprezando minorias sociais). Dizem que é mimimi. Que é besteira. Exagero. Censura. Eu, ao contrário, acho extremamente importante ter a consciência do que se fala e de como se fala. Não dá pra falar qualquer porcaria e se camuflar no escudo da liberdade de expressão. Palavras nunca são só palavras: elas carregam uma carga simbólica muito forte consigo. Palavras perpetuam preconceitos históricos e impedem que andemos na direção da justiça e da igualdade. 

Antes de dizer que é besteira algo que você não vivencia, trate de deixar o orgulho de lado e entender. Não lute só por causas que são suas, o mundo não é constituído só por você. Não é só porque te apelidam e você é indiferente, ou porque você sofreu bullying quando jovem mas não manifestou nenhum trauma na vida adulta, que você tem o direito de deslegitimar o discurso de quem se sente oprimido com a velha fala que "ah, eu passei por coisas ~piores~ mas nunca fiquei dando uma de vítima e blá blá blá [preencha esse espaço com a primeira porcaria que lembrar]". Veja só que curioso: nem todo mundo é você, logo, nem todo mundo reage como você reagiu às mesmas situações. 

Não faz muito tempo que eu fiquei sabendo que não é legal falar em homossexualismo. O melhor a se dizer é homossexualidade. O sufixo "ismo" foi acrescido à palavra homossexual denotando enfermidade, defeito, doença. Desde que perdeu tal denominação para a comunidade médica, fala-se em homossexualidade. E desde que eu li sobre isso, tenho o maior cuidado em não errar. Parece "detalhe" para a maioria, mas é nesse ponto que eu quero chegar. Todos precisamos dessa empatia que leva à sensibilidade de entender que um sufixo faz muita diferença na vida de alguém. A questão não é se isso é relevante ou não, porque se importa, de verdade, para um único indivíduo que seja, não deveria sequer existir discussão. 

Porém, infelizmente, li em alguma página do Facebook um debate: um homossexual tentando explicar por que é preferível falar em homossexualidade, por que essa substantivo é mais reconfortante pra ele. E, o mais incrível: pessoas o DESMENTINDO. Dizendo que não, não era assim. Que ele estava ERRADO. E nessas horas eu fico muito para baixo. Existe gente no mundo que, sim, prefere fazer a vida de alguém mais infeliz a trocar o "ismo" por "idade". O esforço de dizer sinto muito, estou errado e vou fazer de tudo para mudar já que você, que vivencia isso, está me dizendo que não gosta quando eu falo assim pesa mais nas costas do que o Everest.

Para mim, sempre foi tão mais fácil amar. 

Mas não entendam mal. Não estou querendo dizer, aqui, que a partir de hoje as pessoas devem parar imediatamente de mandar terceiros tomarem naquele canto. Quando se trata do fiu fiu do vizinho, é inevitável. Entretanto, dá para mudar algumas coisas, sim. Com esforço e bom senso. E, além do mais, quero algo maior: que as pessoas notem. Notem como a língua reflete a sociedade que construímos. Porque, às vezes, aparecerá gente dizendo que o feminismo não é importante, que os homossexuais se vitimizam, que racismo não existe. 

Pare.

Escute.

Tenho certeza que várias das expressões que saem da nossa boca, todos os dias, inconscientemente, te provarão o contrário. 

Elas te dirão: está faltando amor nesses tempos, assim como faltou em toda a história.