Aninhada no colo da mãe, ela
assistia ao movimento desordenado de pessoas pela rua. Ficava imaginando quais
compromissos urgentes teriam elas para andarem tão depressa, e quanta gente
elas precisavam alimentar para levar tantas sacolas de comida. Ela, que mal
tivera pão naquele dia. Ela, que tinha que dividir o leite meio azedo com os
irmãos. Ela, que fingia ser princesa quando fechava os olhos.
Não moravam na rua, não. Moravam
num barraco lá bem mais pros fundos; não dava para avistá-lo da rua principal,
mas não era longe. Era um lugar fétido e infestado por ratos. Mas ela gostava
da sua “casa”. Amarrando uma ponta do seu lençol na janela e a outra no armador
mais próximo, e somando a isso um pouco de criatividade, dava-se para construir
uma moradia digna de realezas. Ela puxava o irmão mais novo, que mal andava,
colocava-o no seu colo de menina e fingia ser mãe. E ninava o garoto como se
ele fosse sua boneca mais cara; ele caia no sono e era posto em cima da toalha
que servia como berço real. Quem não gostava muito de toda essa bagunça era
a mãe. Ralhava com a filha e dizia que aquilo não eram vezes de moça, que quando
tinha aquela idade já era dona de casa e que lençol rasgado não alivia o frio
do inverno.
A mãe eventualmente podia ser
dura, mas era só porque os seus planos de transformar a vida da filha numa vida
melhor que a que tivera estavam sendo frustrados. Ainda não tinha trinta anos,
entretanto faltava-lhe dentes na boca e a pele era ressecada, os lábios sempre
estavam feridos devido à exposição excessiva ao sol. Mãe solteira, vivia da
pensão miserável deixada pelo marido e sonhava com o dia em que pudesse comprar
pão, bolo e queijo todos dos dias. Sua maior ambição era assim mesmo, simples:
não passar mais fome. Nenhum dos seus filhos havia completado os quatorze anos
de idade ainda, mas todos já entendia bem o significado dessa palavra e a
temiam tanto quanto a mãe.
À tarde, enquanto os irmãos mais
velhos pediam dinheiro nos semáforos, a mãe, a garota e o irmão mais novo
sentavam no vão entre duas famosas lojas. Quando alguém passava mais perto, a
mãe esticava a mão e às vezes algumas moedas caiam ali. Isso acontecia com mais
frequência quando o irmão chorava, seja por piedade, seja por vontade de calar
aqueles choros.
A garota olhava espantada todas
aquelas vitrines quando ia chegando a época do Natal. Eram muitas luzes, muito
brilho, muitos presentes. Não sabia que significado tinha aquela data, não
sabia por que a comemoravam, só sabia que ela chegava e era mágico. Ela
esquecia da comida que balançava dentro das sacolas e voltava seu olhar para a felicidade
que a época prometia. Em todos os cantos existiam árvores enfeitadas com
presentes aos seus pés e, vez ou outra, ela deixava a mãe e o irmão ali, ia
atrás de uma dessas árvores e ficava se perguntado se algum presente ali
embaixo era endereçado a ela. Voltava para a mãe, porque nunca a queriam ali
por perto.
Foram sete anos sem presentes
nessa data que, para ela, era tão vazia de significado e cheia de alegria. Um
dia, sentada no mesmo vão com a mãe e o irmão, chegou um moço com uns presentes.
Dizia participar de um mutirão que arrecadava brinquedos velhos, consertava-os e
depois entregava-os novos a outras crianças. Ela abriu o seu presente enquanto
a mãe ajudava o seu irmão com o dele. Nunca num olhar houve tanta emoção. Nas
suas mãos, estava a boneca que seria a mais amada do mundo. Ela abraçou aquele
homem que não conhecia, porém já amava. Finalmente, era Natal para aquela criança.