sábado, 9 de julho de 2011

Descoberta

Era um dia normal. Acordei no mesmo horário e fui caminhando até o trabalho, como sempre. Após andar mais ou menos umas duas quadras, encontrei um papel no chão. Estava ali, dobrado, gritando para ser aberto. Não tinha remetente nem muito menos destinatário, e a rua estava vazia. O papel não era meu, mas de quem seria? Como não sabia, pensei que não seria crime abri-lo.
Queria que soubesse que estou nos meus últimos dias. Sei que vou morrer, claro, mas a cada dia que passa sinto a morte mais de perto, e, não vou negar, isso me assusta. Mas não é para contar dos meus medos que te escrevo, mas sim para lhe revelar um segredo que há muito tempo trago comigo. Sei que vai ser um choque, que vai mudar sua vida para sempre, peço que leia com atenção o que vou detalhar, e quero também que tente entender. Vai ser difícil, mas tente.
Num belo verão de 1991, descobri que não poderia ter filhos, ninguém pode sequer imaginar como me senti. Faltava-me vida, porque parei, literalmente, de viver. Meu sonho sempre foi ser mãe, você sabe. Brinquei de boneca até boa parte da adolescência, eu queria ser mãe. Queria. Sempre fui teimosa e persistente, mas contra isso não podia lutar. Doeu muito, muito. Mas isso nada justifica o que fiz lá na frente. Nem justifica o que essa minha atitude causou.
Conheci sua mãe no mesmo ano - sim, não sou sua mãe -, e ela era uma pessoa adorável. Estava passando por um momento difícil, e, juro, a coisa mais difícil que ela fez foi te dar. Ainda lembro dela, magra e pálida, chorando incessantemente, e eu, ali, dizendo que ia cuidar bem de você. Ela logo se foi, porém deixou um pedaço seu comigo, você.
Eu o odiava. E acho que você sempre se perguntou o porquê disso. Eu tinha inveja. Inveja da sua mãe, que doente e pobre, foi feliz, e conseguiu ter um filho, e eu, não. Não sei por que descontei tudo em você. Era como uma birra de criança: sabia que estava errada por isso, mas não queria dar o braço a torcer. Posso imaginar como sofreu. Sinto muito, de verdade. Sinto muito por ter tentado te matar - sabe as janelas abertas? Os comprimidos à mais que te dava? O chão quente que te deixava pisar? As facas com que te deixava brincar? Então.
Mas, além disso tudo, tem outra coisa. Sabe o seu pai? Quando sua mãe o entregou, disse que o marido tinha morrido. E, nesse ponto, não menti para você todos esses anos. Realmente achava que o seu pai estava morto. Porém não está. Foi tudo um grande engano. Seu pai foi atropelado e bateu a cabeça forte, quando acordou, não sabia quem era. Sua mãe enterrou o homem errado, chorou pelo homem errado. Ele o procura. Finalmente lembrou quem é e te procura. Quero que o encontre. Ele está numa das cidades que faz divisa com o nosso Estado. Procure-o. Desculpe por ter te mandado para fora de casa quando fez 18 anos. Espero que esteja bem onde quer que seja. Pode ser difícil acreditar, mas quero te vê feliz. Não sei por que esperei até o final para lhe dizer tudo isso, e te pedir perdão. Você é um bom garoto. Agora sabe que não sou sua mãe , que roubei sua felicidade sem nenhum motivo sensato, e que seu pai está vivo. Quero que seja feliz e que seja bem melhor para os seus - verdadeiros - filhos, do que eu fui para você. Perdão.
Li tudo duas vezes. Nossa. Como um papel tão importante foi parar ali? No meio da rua? Seria alguma brincadeira? Deixei-o no mesmo lugar que o encontrei, sem entender nada. E até hoje, cinco anos depois, não sei se aquela carta foi encontrada pelo tal garoto ou não.

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