sexta-feira, 30 de março de 2012

Para salvar um amor


Sophie era a moça mais bonita das redondezas, e desde muito tempo, eu sentia algo de especial por ela.
Desde criança, todos do nosso vilarejo conhecíamos a história de Detrova, que era o monstro do lago Nebu. Todos os anos, Detrova adquiria aparência humana e sequestrava a mais bela moça, para se alimentar de sua beleza, porque era isso que o mantinha vivo.
O dia nem tinha nascido ainda quando me acordaram dizendo que minha Sophie tinha sido levada.
Precisa salvá-la, custasse o que for. E foi esse amor que me fez ter coragem suficiente para encarar esta aventura.
O lago Nebu ficava distante e só existia um caminho para se chegar até lá, o qual era cheio de armadilhas. Quem decidiu se aventurar por ele, nunca mais foi visto.
Sophie era órfã e ninguém, além de mim, foi atrás dela. Tentaram me impedir, mas eu nunca deixaria que algo de mal a acontecesse.
Já apareciam os primeiros raios solares quando peguei o caminho para o lago. Havia comigo apenas água e comida. E muita, muita coragem. Iria precisar dela.
A estrada era sinuosa, cheia de buracos; tropecei algumas vezes.
Levei inúmeras picadas de mosquitos sedentos por sangue, minha água logo acabou e minha comida foi roubada por macacos! Mas, apesar de estar bastante cansado e com fome, antes do dia desaparecer, eu já avistava o lago Nebu ao longe.
Minhas pisadas apressadas eram o único som audível ali.
O lago era comprido e suas águas, cristalinas. A gruta, no lado direito da outra extremidade, era onde residia o monstro durante o dia. Podia ouvir a sua respiração. Então, com a coragem tirada não sei donde, atravessei o rio a nado. Ao chegar à abertura da caverna, fiquei estarrecido com o tamanho da criatura que se encontrava deitada, a alguns metros de mim. Havia alguém, alguém encostado num canto, de costas, choramingando. E ao escutar meu passos, esse alguém se virou. Reconheci naqueles olhinhos tão meigos a Sophie. A não ser seus olhos (que são as janelas da alma e cuja beleza, por ser interior, ninguém pode roubar), tudo estava mudado nela. Sua pele murchara, as olheiras se agravaram, seus cabelos estavam desgrenhados, sua boca torta, seus dentes com um formato irregular e ela me olhava desesperadamente, suplicado ajuda.
Eu não sabia o que fazer.
Foi  aí que eu acordei do meu transe. Chegara até ali, mas não tina ideia do que fazer, de como resgatá-la. Fiz tudo num impulso, não tinha nenhum plano.
Tudo isso aconteceu em segundos. O gigantão dormia e eu evitava até pensar para não acordá-lo. Mas Sophie, que estava presa pelas suas patas, tremia-se tanto que o fez despertar. Seu bocejo era estrondoso. Ele logo notou minha presença e perguntou o que eu queria.
Quero a moça, disse eu.
Ele riu. “Ela? Para que você a quer? Não vê que está definhando? Morrerá daqui a algumas horas. Já que você se deu ao trabalho de vir até aqui, que tal morrer igual a ela? Beleza masculina não é do meu agrado, mas eu lhe faria esse favor.”
Sou movido por impulsos, como se há de perceber. Furei meu dedo, sem querer, numa planta cheia de espinhos e uma ideia me ocorreu. Agarrei um e corri o mais rápido que pude até a barriga do monstro.
Quando eu era criança, adorava brincar com balões, mas eles sempre batiam nos espinhos e estouravam.
Nunca pensei que os meus motivos de choros na infância, fosse salvar minha vida no futuro, porque a barriga de Detrova explodiu e dela saíram milhares de luzes brilhantes, destinadas a toda parte, inclusive para a Sophie, que recuperou sua beleza exterior.
Depois disso narrado, meu vilarejo se tornou um lugar bem melhor; e sem o monstro, o lago Nebu virou motivo para diversão.
Não fiquei com a Sophie, ela não me amava, e, se consegui matar um monstro, consegui entender isso também.
Fui muito idolatrado, mas as pessoas esquecem. É sempre assim.
Não pude recuperar as vidas das que se fora, porém fico feliz em saber que evitei milhares de futuras mortes, inclusive a daquela com quem eu mais me importava.
É bom saber que fui capaz de amar outra pessoa mais que a mim mesmo. E, quando isso acontece, quais riscos não se correm para salvar um amor?

Muito real, né? Falem a verdade, KKK

domingo, 4 de março de 2012

Como se eu fosse tua

O dia amanhece e, como se eu fosse tua, me pergunto se você já acordou, ou se dorme, com quem está a sonhar. 
E tomo café quase me engasgando de tanto sorrir daquela sua cara de "como pode?", ao receber o teste de Física. Foi a mesma de quando seu time de basquete perdeu o campeonato. E a mesma também de quando você ficou em sétimo no torneio de natação.
Arrumo minhas coisas me lembrando o quão desajeitado você é, e como sua mochila deve estar uma bagunça só. E tenho que lembrar de lhe dizer que aquele zíper do bolso menor caiu, não sei como. E lembrá-lo que aqui pertinho de casa tem gente que conserta. 
Tomo banho e fico pronta em 15 minutos. Uma só olhada básica no espelho e vejo uma espinha perto do meu olho, no mesmo lugar onde você tem aquele sinal que eu tanto gosto; engraçado.
Só mais umas quadras e chegarei à escola na hora. No caminho vejo um cachorro quase idêntico ao seu. E pregado a um poste um cartaz anunciando que a sua banda favorita vem tocar aqui, próximo sábado. 
Meu celular desperta, são exatamente seis e quarenta e o visor anuncia "É HOJE". Só eu sei o significado que aquilo tem para mim.
Entrando na escola, dirijo-me ao meu armário e circulo a data de hoje no calendário colado à porta. 
Você chega, sorrindo, segurando a mão de alguém. Vou ao seu encontro e você me diz que está namorando, outra vez. Que legal, hein, digo eu. E parece que você me conhece tão mal que nem percebeu a ironia.
- O que foi?
- Nada, só que... que eu vi um cartaz dizendo que sua banda preferida vem fazer show aqui, final de semana que vem -  ufa, não estava preparada para desconversar.
- Disso eu já sabia. Agora eu tenho que ir, até qualquer hora.
Claro que ele já sabe. Ele já sabe de tudo, menos do mais importante. 
Um dia eu lhe conto. Digo que não é como se eu fosse dele, porque eu já sou. Mas que ele não é meu. E está longe de ser. 
Mas o longe um dia se torna perto. E eu vou me lembrar de entrar com o pé direito, da próxima vez.

Não era para ser assim

E eu me pergunto se ainda há motivos para acreditar nas pessoas, encontrar um sentido para vida. Porque tudo é tão horrível, assombroso e sanguinário. Não tem como confiar. Nem em você mesmo.
Que lugar é esse que o mundo se tornou? Aonde está a beleza da vida?
Mesmo que todos os dias eu feche meus olhos imaginando um mundo melhor e seguro, quando eu os abro tudo está igual. Ou pior, sabe-se lá.
Não tem como voltar para o útero da minha mãe. Não tem como fazer a diferença sozinha. Não tem como tentar mudar tudo isso. Não tem jeito, não tem.
O que se pode fazer é viver do jeito que se pode. Quer dizer, tentar viver. Porque a vida deveria ser algo bem melhor que isso.