domingo, 19 de maio de 2013

As Aventuras de Tom Sawyer


"Seria um pirata! Era isso aí! Agora seu futuro estava claro, brilhando com um esplendor inimaginável. Seu nome ia correr o mundo e fazer as pessoas tremerem! Como ia ser glorioso singrar os mares em seu negro navio, o Espírito da Tempestade, com sua bandeira terrível tremulando na proa! E, no auge de sua fama, apareceria de repente na vila e marcharia para a igreja queimado de sol e curtido pelo vento, com seu colete de veludo preto e sua calça larga, suas grandes botas, sua faixa escarlate, o cinto carregado de pistolas, o sabre enferrujado de crimes, o chapéu de plumas, a bandeira negra desfraldada com a caveira e as tíbias, e ouviria com êxtase os murmúrios: 'É Tom Sawyer, o Pirata! O Vingador Negro do Mar das Antilhas!'
Sim, era isso mesmo; sua carreira estava traçada. Fugiria de casa para iniciá-la. E ia ser amanhã."

Foi amor à primeira vista quando eu vi esse livro na biblioteca da escola. Não acredito em amor à primeira vista quando se trata de pessoas, mas com livros, ah, com livros eu acredito, sim! Olhem para essa capa e leiam essa sinopse que fica na contracapa. É amor, somente. 
Tom é um garoto bem maroto e esperto. O autor em nenhum momento do livro diz quantos anos ele tem, mas numa passagem um dente de leite dele cai, então eu suponho que ele deva ter entre oito a dez anos. A leitura é extremamente gostosa e rápida. O Tom é aquele tipo de garoto que nunca para quieto; leve a bronca que for, a surra que for, ele sempre vai aprontar novamente, como um exímio peralta.
Ele e a sua turma de amigos são cheios de lendas e crendices. Se isso não deu certo, foi culpa de uma bruxa. Se aquilo não deu certo, foi porque não era meia-noite. Foi bom lembrar das minhas próprias superstições de criança. 
Esse livro, à época (ainda século XIX), foi banido em muitas escolas, porque continha certas cenas "pesadas" e podia induzir crianças a fazerem o mesmo de Tom, como fugir de casa para virar um pirata. 
Minha infância não teve, nem de longe, aventuras tão grandiosas quanto as de Tom - nem tão perigosas também. Porém, com o livro, eu pude viver as dele. Encontrei tesouros, fiquei presa dentro de uma caverna, ganhei uma Bíblia ilustrada sem saber recitar nem uma dúzia de versículos.
É impossível não se apegar ao Tom. E como o livro acaba sem um fim propriamente dito, a gente fica imaginando o que mais o Tom aprontou, e imaginando, imaginando...

"Embora meu livro esteja voltado principalmente para o entretenimento de meninos e meninas, espero que não seja posto de lado por homens e mulheres por esse motivo, pois parte do meu plano foi tentar de modo agradável recordar os adultos daquilo que eles já foram, e de como se sentiam, pensavam e falavam, e das estranhas aventuras em que às vezes se metiam."

Mark Twain - As Aventuras de Tom Sawyer

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um longo caminho em busca da minha verdade



Toda mudança é difícil, ainda mais quando ela mexe com toda a ideologia de uma vida. Acreditar que tudo que disseram a você desde o dia do seu nascimento é uma grande mentira é doloroso e complicado, e muitas pessoas preferem continuar acomodadas, quietinhas com suas crenças, sem querer conhecer o outro lado da história e, a partir de então, poder decidir, sozinhas, no que vão levar como verdade para o resto da vida. 
Minha vida corria muito bem, obrigada, até eu pôr na cabeça que alguma coisa estava errada. 
Até os catorze anos eu nunca tinha parado, realmente, para pensar na existência de Deus. Eu apenas a concebia como algo implícito. Se eu não tinha parado nem para pensar nela ainda, refutá-la, nessa idade, estava fora de cogitação.
Foi tudo acontecendo bem aos poucos. Eu sempre fui muito curiosa. Comecei a ler sobre outras religiões, coisa que me interessava, e ficava pensando em como os cristãos asseguravam a veracidade do cristianismo. Que fatos eles tinham? Um livro sagrado? Outras religiões também têm livros assim. Alguns com ensinamentos lindos, aliás. Na feira de ciências de 2011, falamos sobre a cultura oriental. O terremoto do Japão tinha sido coisa recente. Uma mulher que assistiu à apresentação dos grupos, que dentre os assuntos tratados falaram sobre o budismo (tenho a estátua do Buda até hoje aqui em casa, me custou uma pequena fortuna), falou que isso só acontecia com eles porque eles não tinham o nosso Deus. Ah, é claro, como o Brasil é predominantemente cristão aqui é um lugar maravilhoso, perfeito, sem maldade alguma, com pessoas que, inclusive, sabem respeitar a opinião alheia. 
O que aquela mulher disse me incomodou demasiadamente. Eu tinha criado uma espécie de vínculo com os asiáticos e os adorava de paixão, odiei ver aquela mulher menosprezado a religião deles daquela maneira, mas me mantive impassível. Se ela desejava algum tipo de concordância, ficou sem ela.
Como eu já disse, eu percorri um caminho lento para aceitar que eu não acreditava por completo naquilo que me diziam. Nunca tive a fé inabalável das pessoas da minha família e nem muito menos aquele fanatismo chato (sim, vamos concordar nesse ponto). 
Comecei a estudar com afinco as ideias de Darwin. Descobri que ele passou pela mesma coisa que eu estava passando. Criado tendo como base o cristianismo e sua crenças, Darwin tinha medo de mostrar ao mundo suas descobertas e só lançou seu livro, A Origem das Espécies, vinte anos depois de tê-lo escrito. Eu tinha medo de chegar na minha mãe e dizer que não acreditava em Deus. Mas isso não era o pior, eu tinha medo da ideia em si. Eu queria me forçar a acreditar, por muito tempo fiz isso. Me dizia católica por pura convenção, só para evitar comentários e surpresas. Coloquei toda a culpa dos infortúnios que me aconteciam na minha falta de fé. Era castigo, eu sempre dizia.
Eu juro que fiz de tudo para encontrar alguma faísca de amor divino em mim. Eu pedia por sinais, estava começando a ficar perturbada. Demorava a dormir, chorava de vez em quando. Eu me sentia errada, suja, pecadora e mais um monte de coisas.
Mas o que eu podia fazer se acreditava na ciência? No Big Bang, na evolução, na seleção natural? O que eu podia fazer se a ciência fazia muito mais sentido pra mim do que aqueles histórias bíblicas, escritas por pessoas que eu não sei quem foram? Não sei nem se elas estavam falando a verdade! Podiam estar fantasiando, aumentando as coisas como a gente sempre faz quando quer tornar uma história comum e banal em extraordinária.
Aos poucos, fui me encontrando. Não é errado ser quem eu sou, não é errado acreditar no que eu acredito. Cada vez mais fui me reconhecendo quando assistia a alguma discussão com o Richard Dawkins, lia Nietzche, assistia a House, via alguma entrevista com o Dr. Drazio Varella. Eles diziam sem medo algum aquilo que eu acreditava. Diziam tão facilmente coisas que eu tinha vergonha de confessar até a mim mesma! 
Finalmente eu tinha passado por uma das partes mais difíceis da minha vida. Consegui contar à minha família sobre minhas convicções. Foi uma espécie de revolução! "Luana? Quieta e boazinha do jeito que é?", eles diziam e eu descobri que até ateus têm um esteriótipo nesse mundo. Minha mãe ainda jura para ela mesma que eu estou passando por uma fase. Minha avó fez um escândalo, mas eu já imaginava isso. Minha tia disse que, quando eu me formar e começar a atender meus pacientes, vou mudar de ideia quando presenciar milagres, mesmo que não acredite em milagres atualmente. Para mim, não existem milagres, só coisas que a inteligência humana ainda não conseguiu decifrar.
As religiões, como um todo, são muito reconfortantes. Sinto falta disso, às vezes. Quando você cria uma entidade divina e deposita o peso de sua existência nas mãos dela, a vida fica mais fácil. Quando você acredita em milagres, esperar por algo melhor faz de você alguém mais feliz, mais esperançoso com relação à vida. Quando você crê em algo, a vida passa a ter um sentido.
A questão é: a vida não tem sentido. Somos tão importantes quanto qualquer outro ser, animado ou não. Não fazemos diferença alguma no universo. E isso dói tanto - pelo menos em mim -, é tão triste e horrível que é muito difícil sair da comodidade da sua linda religião, com seu Deus, Suas regras e Seu paraíso e abrir os olhos para realidade.
Isso me lembra o Mito da Caverna de Platão. O homem que consegue sair da caverna prefere lidar com a verdade do que voltar lá para dentro e continuar a vida apenas olhando sombras. 
Estamos no século XXI e hoje se tem liberdade para isso. Posso dizer, sem que a igreja me queime viva, que escolhi a verdade.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O que eu aprendi com os ônibus

Quando eu entrei para o Ensino Médio, ano passado, aos 15 anos, eu disse a minha mãe veementemente que não queria mais ir à escola com o carro escolar. Eu tinha meus 15 anos completinhos e, se me deixassem no centro da cidade, provavelmente eu não saberia voltar para casa. Pensando nessa situação vergonhosa, e adicionando a isso minha total falta de jeito para lidar com pessoas estranhas, já que eu sou um tiquinho antissocial, disse e não voltei atrás: quero andar de ônibus.
Não digo que não sinto falta do conforto de um carro escolar, pois eu sinto. Principalmente quando chove e especialmente quando eu preciso carregar na minha bolsa mais livros do que aguento carregar. Entretanto, não faria diferente se pudesse voltar no tempo, porque eu aprendi mais coisas do que imaginei andando de ônibus. Ah, e claro, hoje eu sei voltar para casa caso me abandonem em um lugar qualquer da cidade.
Ônibus são engraçados. Você encontra muita gente estranha. Já fui o caminho inteiro de volta pra casa com um homem do meu lado cantando em alto e bom som músicas evangélicas. Não, minto, A música evangélica. Ele repetiu tantas vezes a mesma coisa que não sei como não sonhei com a bendita música. Outro dia, sentou um homem do meu lado que não parava quieto no lugar. Não sei se ele tinha alguma coceira nas nádegas ou o quê, mas ficava levantando, sentando, levantando, sentado, levantando e, adivinhem, sentando. 
Nunca fui assaltada até hoje, ainda bem. Uma vez perdi um ônibus por um triz e depois soube que ele foi assaltado. Mas se eu fosse mesmo assaltada a única coisa com um valor relevante que carrego é o meu celular, e não tenho muito apego por ele, a tecla da letra "a" precisa ser apertada umas cinco vezes para pegar, então...
Sempre me mantenho atualizada dentro de ônibus. Escuto desde coisas importantes até coisas que eu preferiria não ter escutado, sinceramente. Se não fossem os já referidos assaltados, a demora, a lotação, o preço exorbitante da passagem (sim, 2,20 por uma passagem é um roubo, dada as péssimas condições dos ônibus daqui de Natal) e os engarrafamentos que duram horas (uma vez passei mais de duas horas dentro de um ônibus, acho que agora entendo o que passam em São Paulo), seria maravilhoso andar de ônibus e ter esse contato mais direto com as pessoas: saber o que elas pensam, o que elas acham. Mesmo não concordando com a opinião de muita gente por aí, gosto de ver o lado oposto e me sentir grata em pensar diferente.
Aprendi que algo bem parecido com a seleção natural se aplica aos ônibus: os mais rápidos e espertos vão sentados. Justamente por isso que vou em pé. Aprendi que se eu não gritar "vai descer" quando o motorista não parar no meu ponto, eu vou ter que descer a quilômetros de distância de casa, muitas vezes num sol infeliz e ainda chegar em casa e receber broncas lindas da minha mãe me dizendo para deixar de ser besta. Aprendi que não importa quão pesada sua bolsa vá, algumas pessoas simplesmente não vão pedir para levá-la e você vai ter que dar seu jeito se não quiser ter a coluna defeituosa. Aprendi que eu preciso prestar mais atenção à rota dos ônibus, porque de vez em quando as pessoas me perguntam por qual rua ele vai, de que lado ele enrola e eu tenho que ser sincera e dizer "não faço a menor ideia".
Coisas como essas não se aprendem em livros, não te ensinam na escola e nem teus próprios pais, às vezes, vão conseguir te fazer compreender. Por isso que presto tanta atenção no que venho aprendendo, por isso que não acho tão ruim pegar ônibus de vez em quando. Se eu me perder, como já aconteceu, vou ter que achar o caminho certo sozinha. Porque o mundo é assim: cada um por si; e quanto mais cedo aprendermos a nos virar sozinhos, melhor.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Não à indiferença

E ela viu-se, de um dia para outro, a prestar mais atenção àquelas conversas bobas, a guardar detalhes dele com uma facilidade incrível, a notar seus hábitos e os seus vícios de linguagem. Queria puxar assunto a todo custo, mas nunca nada lhe vinha à mente. Queria não parecer idiota, mesmo ela própria se achando uma, e fingir que nada estava acontecendo dentro de si, fingir que ela não estava se apaixonando e que o seu eu interior se encontrava na mesma paz de espírito de sempre. Tentava esconder os olhares furtivos e os sorrisos de canto de boca que lhe escapavam vez ou outra. Apesar dela achar que seus sentimentos lhe saltavam ao rosto, ele sequer notava.
Foi aí, na prática, que ela descobriu que ser magoada não é a pior coisa que existe, porque quem te magoa, querendo ou não, te nota. Quem te magoa gasta um tempo precioso para te fazer sofrer, te fazer chorar. Já quem não te nota, simplesmente sabe que você existe. Você e um grau de areia dão no mesmo. Seguindo essa linha de raciocínio, melhor ódio concreto à indiferença completa.


P.S.: Resolvi criar vergonha na cara e postar os textos que eu tenho aqui guardados. É engraçado ler essas coisas passado um tempo, acreditem.