terça-feira, 3 de julho de 2012

Pode ser paranoia... ou não

- Querida, você não vai acreditar!
- Acreditar em quê, amor?
- Comprei um carro! Agora nada de ficar horas em pontos de ônibus nem em qualquer esquina à espera de táxis.
- Que legal, amor, muito legal.
- Você não está feliz?
- Oi?
- Eu perguntei se você não está feliz.
- Ah, é claro que sim.
- É claro que está ou é claro que não está?
- É claro que estou, querido. Você pergunta cada coisa.
Convenhamos que homens não são lá de notarem muito, mas dessa vez o Paulo se preocupou muito com a sua namorada. Namorada, ainda. Iriam se casar dali a três meses, mas já moravam um com o outro a pelo menos uns seis. Quiseram primeiro conviver juntos e ver se se aturariam. Se desse certo essa experiência de marido e mulher durante nove meses, então a vida deles como casados correria maravilhosamente bem. Partiram da ideia de que só convivendo se sabe quem é quem. 
- O que você tem? Aconteceu alguma coisa? No trabalho, faculdade? Alguma coisa que eu deveria saber?
- Não, nada, querido. Só um enorme trabalho que preciso entregar e apresentar amanhã. E sobre o carro, se foi isso que o deixou encucado, fiquei feliz, sim, muito. Estávamos precisando de um e nosso orçamento está tão folgado que não vamos ter problemas na hora de pagar.
Ele sossegou. Mas, depois de algumas horas, já tarde da noite, enquanto assistiam TV, notou outra vez alguma coisa diferente nela.
- Não acredito que o Marcos vai voltar com a Maria. E isso só porque ela está grávida. Que se dane. Aposto que ela engravidou justo para segurá-lo. Essas coisas sempre acontecem. Lembra daquela última novela das sete, querida, quando a Joana engravidou de propósito só para o João se casar com ela?
- Lembro, sim.
- As coisas nunca dão certo quando não são planejadas. Veja só nós dois: primeiro decidimos morar juntos para testar nossa compatibilidade, e depois, quando estivermos certos de que fomos feitos um para o outro, nos casaremos.Quais as chances de dar errado? Quase nulas. As coisas são tão simples, as pessoas que complicam, sabe, querida?
- Sabe o que?
- O que eu disse, sobre planejar.
- Ah, claro, planejar é muito bom.
- O que diabos você tem hoje? Tenho certeza de que não é droga de trabalho da faculdade nenhum. Você está me escondendo algo. O que foi? Será que não confia em mim?
- Claro que confio. Eu não tenho nada, já disse.
- E eu não acredito, já disse.
- Acho que vou dormir mais cedo hoje. Boa noite.
- Ah, Flávia, não vai ficar com raiva de mim, vai?
- Não. Quem foi que disse que tem alguém com raiva aqui?
- Ainda bem, porque quem deveria estar com raiva era eu.
- Você? Como assim você? Eu faço de tudo para te agradar, nem reclamo da toalha molhada que todo santo dia você deixa em cima da cama, nem das meias espalhadas pelo chão, nem das descargas não dadas, nem dos respingos de xixi que você deixa no banheiro, nem da TV que você esquece ligada, quer mesmo que eu termine? - Ele balança a cabeça negativamente e ela continua: - Eu que deveria estar morta de raiva. Morta e enterrada.
E levantando-se, pôs-se de pé à frente dela e olhou-a nos olhos. Tinha visto numa revista que isso funciona muito bem para persuadir mulheres.
- Olha, meu bem, eu juro que discutir é a última coisa que eu quero fazer com você. Só queria saber por que você está tão avoada hoje, o que te preocupa. Somente isso. Poderíamos dividir suas preocupações. Você sabe que eu te amo e que não fico com raiva de você por mais que um minuto, não sabe? Que tal me contar o que aflige esse coraçãozinho? 
E jogando-se nos braços dele (lê-se: dicas de revistas ainda podem funcionar, quem sabe), ela responde:
- Paulo, não é bem assim. Eu preciso ainda confirmar uma coisa. Não quero te preocupar à toa.
- Mas eu quero saber. Ei, psiu, olha para mim. Se queremos ter algo duradouro futuramente, precisamos compartilhar até nossas dúvidas. E, além do mais, já convivi tempo suficiente com você para lidar com  sua  TPM.
- Amor, esse é o problema... Eu não contei porque eu... Eu pensei que fosse só paranoia minha... Mas já que você coloca a coisa assim... E também já que hoje é dia 3... Querido, eu quero que você sente... Isso, melhor... Agora você respira fundo... Paulo, eu posso estar grávida, só posso. É uma possibilidade. Minhas menstruação nunca foi das mais certinhas mesmo, pode ter atrasado. Eu sei que isso frustraria nossos planos, mas não foi culpa nossa. Você sabe, sempre tomamos todas as precauções possíveis. Por isso eu acho que pode ser parano...
E ele tomou-a para um beijo gostoso, profundo. Depois partiu-o e disse:
- Quer dizer que o Paulão aqui vai ser pai? E você não iria me contar?
- Eu não disse que você vai ser pai, disse que você pode. E eu iria contar. Mas aí você veio com aquela história de planejamen...
Ele gostava daquilo.
- Você precisa parar com isso!
- Não quer mais me beijar?
- Não, né! Quero poder terminar minhas frases. O que eu estava dizendo mesmo? Ah, e sobre tudo aquilo de planejar? E sobre a mulher estar querendo prender o homem? Você me conhece, não estou te prendendo a mim. Nunca. Sem essa. Sou totalmente sem amarras.
- Você é muito engraçada, meu bem. Será que você não entende que sou um homem bem-resolvido? Já nasci preparado e engajado e planejado...
- ... e amostrado. Tinha esquecido desse seu la...
- Psiu, não acabei! E será que você não entende que estou preso a você desde aquele dia que nos vimos no clube?
Ela sorriu.
- Realmente, você é paranoica, viu, amor? Ficar enfiando essas coisas sem sentido na cabeça e levando meus comentários sobre novelas a sério. Aquilo é ficção, isso é real! Quem se interesse se a Joana da novela quis prender alguém? Eu vou ser pai!
- Você quis dizer: eu poderei ser um pai...
- Quer saber? Vamos tirar essa dúvida. Só é ir lá na farmácia e comprar testes. Depois você faz um exame de sangue para ter 100% de certeza. Simples. Você que vive complicando as coisas. Todo mundo vive complicando as coisas.
- Claro, senhor bem-resolvido, mas a essa hora a farmácia já fechou.
- Não a do outro lado da cidade.
- E você jura que vamos até o outro lado da cidade só comprar um teste de gravidez? É mais jogo esperar até amanhã de manhã.
- Não, é mais jogo inaugurar o nosso mais novo carro, esqueceu? Pega a bolsa e vamos logo. E cuidado com essas escadas, soube que a dona Carla, do 273, caiu outro dia. É melhor irmos de elevador. Vem.
E ao entrar no elevador:
- Boa noite, seu Joaquim. Sabe da mais nova? Eu vou ser pai.
- Não, seu Joaquim, ele disse que poderá ser um. Não temos certeza ainda.
- Eu tenho certeza. Sabe, homem sente essas coisas.
- Ah... lógico que sim. 
Nove meses depois nascia o João Victor. Isso porque o pai dele se chamava João e o dela, Victor.

2 comentários:

  1. Que lindo! Histórias assim são tão lindas, que bom que ele foi pai! E nem sempre é paranoia, haha.

    Beijos, Garota de All Star

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  2. Awn, muito fofa sua estória >< Eu seria exatamente como ela, sou meio paranoica ás vezes, sempre complicando as coisas... rs Lindo o final ♥ Doeu os olhos pelo fundo preto daqui,mas valeu a pena. rs

    AH, valeu pela indicação do site de Sherlock Holmes, GOSH, que site é aquele? MUITO LINDO e contém muita informação sobre o mundo de Holmes *O* Amei!

    Beijos
    http://mon-autre.blogspot.com/

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