sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Leve retrospectiva

A agitação e gritos perto de si foram ficando cada vez menos audíveis e distantes, como se ele estivesse ficando surdo aos poucos. Sentiu-se flutuar, mas não sentiu seu corpo. Era como se não pesasse absolutamente nenhum grama. Queria abrir os olhos e dizer à mulher e ao filho que estava se sentindo bem, agora, mas não conseguia abrir os olhos. Ele foi levado mais alto e mais alto; não sabe por quanto tempo, mas lhe pareceu muito.
De repente, ocorreu-lhe uma ideia. Não teria morrido, teria? Ele ainda pensava...
Enquanto esse pensamento desconfortante passava-lhe pela mente, ele começou a ver imagens de si mesmo, como se fosse um sonho. Não, não havia conseguido abrir os olhos. Havia alguém nascendo. Ele mergulhou num longo e profundo estupor, apreciando as cenas nítidas que permeavam seu cérebro, crendo que tudo aquilo não passava de um lindo e prazeroso sonho, o que reconfortou sua alma. 
O sonho, logo percebeu com o passar das imagens, era um retrato fiel da sua vida. Mostrava-o crescendo e quebrando os brinquedos do irmão, pronunciando a primeira palavra, indo à escola. Depois, mais velho, mostrava-o contrabandeando bebidas e drogas ilegais para o banheiro da faculdade. Tudo aquilo que fizera. Era um idiota, como todos os adolescentes o são. 
Não, aquilo definitivamente não era um sonho. Era a sua vida em retrospectiva, como aquelas que fazem todo fim de ano na TV. Mas, agora, não era um fim de ano que elas retratavam, e sim o fim de uma vida. A dele.
Viu todos os seus feitos: vi-o crescer e tomar juízo, abrir sua empresa de veículos, criar sua instituição de caridade que levava o nome do pai. Viu seu pequeno Jorge nascer, prematuramente. Lembrava da aflição daquele dia tão bem quanto lembrava do seu nome. A bolsa estourando na hora errada, o carro ficando sem gasolina quando ainda estava bem longe do hospital. Viu-o sendo assaltado, quando levaram seu carro e lhe deram uma boa surra, que o fez ficar em repouso por quase um mês. 
Lá estava Jorge recebendo seus primeiros boletins, ganhando seus primeiros presentes. O enterro da sua mãe também foi retratado, o dia mais triste de toda a sua vida, que agora também chegara ao fim, como qualquer outra.
No fundo, tentamos ser sempre diferentes. Nos diferenciar em alguma coisa, nos mostrar melhores. Mas sempre acabamos sendo todos a mesma coisa, todos destinados ao mesmo fim. E não há nada o que se possa fazer. Até onde se sabe, não existe elixir da vida. A maioria dos seres humanos agarram-se às suas crenças, pensando sempre que elas são verdadeiras e a dos outros, falsas. Alguma deve estar certa, no fim, mas só saberemos quando a nossa hora chegar e quando não tiver mais para onde correr. O que você fez, amigo, estará feito. O que você disse, dito. Você teve a sua chance, só precisou fazer com que ela tenha valido a pena.
E, olhando por esse ponto, pensou Sr. Joaquim, a sua chance valera, sim, valera muito a pena. Então ele deixou-se levar por completo por uma luz branca que o sugava e desligava-o de si próprio após assistir a uma leve retrospectiva do que foram seus ínfimos dias, se comparados com a grandeza que é o universo em expansão em que vivemos.

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