terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A moça da flor


O dia estava claro e de bons ares, por isso desejou sair, ir à praça mais próxima na companhia do livro que estava lendo. Tinha pego um resfriado a pouco tempo, por isso decidiu que seria uma ida bem rápida: voltaria antes de escurecer e ficar mais frio, para não se dar ao deleite de mais dias de repouso na sua cama. 
Não poderia mensurar o quanto lhe era custoso ficar doente e não poder mais dar seus passeios à tardinha, vê o sol ser engolido e as estrelas começarem a brilhar. Sentir o ar puro e livre passear pelos seus cabelos em formas de cachos bem delineados que se recusava a aparar. Um homem não se torna menos homem se conservar consigo algumas vaidades. 
Como não ia demorar-se dessa vez, decidiu ir direto ao seu destino. Nos seus passeios habituais, quando estava na sua plena saúde, costumava andar o mais lentamente possivelmente, observando as poucas pessoas que iam e viam. Gostava de observar cada uma que passava, às vezes tomava até notas num caderninho que ficava sempre guardado num bolso do paletó; era escritor, qualquer transeunte daquele, nos seus dias mais inspirados, poderia dar um bom personagem ou uma boa história.
Apesar das semanas recluso no seu lar, a praça estava, em si, exatamente igual. Compunha o local alguns bancos de pedra que já mostravam sinais do tempo, uma camada espessa de folhas de diferentes cores no chão, como se esse não fosse limpo há vários outonos - o que era verdade. As árvores se mantinham iguais. Não soube por que ficara tão surpreso com a imutabilidade do local, aquilo já era previsível, ninguém ia àquela praça, tinha muitas folhas e, nelas, muitas minhocas e formigas para crianças brincarem.
Sentou-se no seu lugar de sempre, num banco posto num local onde seria impossível ser atingido por um fruto descabido que ousasse cair sobre sua cabeça. Começou sua leitura, que não durou mais que cinco minutos por um acontecimento inesperado.
Lembrou-se que em pouco tempo estava receando que alguma mudança súbita na paisagem tivesse acontecido, teria ele previsto? Estaria esperando por aquilo? Por aquela moça que, silenciosamente - mas não totalmente - sentara-se ao seu lado, sem lhe dirigir palavra, sem sequer olhar para suas feições, e abrira um espesso volume sobre o colo e começara a ler, suspirando vez ou outra?
De repente, tudo ficou tão silencioso que ele podia escutar o ritmo da respiração da fogosa intrusa. Sim, intrusa, pois aquele local era até então só seu. Há meses lia ali antes de adoecer, e, quando isso aconteceu, alguém também achou na sombra das formosas árvores um lugar para leitura? O vilarejo era pequeno, contudo nunca a tinha visto antes. Seria nova por aqui? Não é de se estranhar, passou semanas tendo visitas regulares apenas de seu médico - que era apressado demais para contar-lhe qualquer novidade - e companhia da boa e generosa Senhora Fernandes, que já era velha e mal ouvia para saber de algo.
Sua atenção saiu do livro e voltou-se para quem estava ao seu lado. Era jovem, sem dúvida. Tinha certos traços, tanto de personalidade (era muito distinta na maneira como portar-se) quanto no rosto que indicavam que era estrangeira. Era bonita mas não tanto, todavia parecia ter um certo ar altivo e superior que impressiona os homens. 
Estava ele ali ainda divagando, imaginando mil e uma possibilidades de conversa com aquela mulher, de modo a não parecer intrometido, mas também não dar-se a entender que é um imbecil, pensando porque até hoje nunca tinha levado a sério a possibilidade de casar (embora ainda fosse considerado bem jovem, a maioria dos seus amigos, que tinha a mesma idade, já estavam noivos) e porque uma estranha qualquer tinha levado esse pensamento a sua mente, quando a moça simplesmente se levantou e foi.
Assim, tão abruptamente que mal deu-se por si. Num minuto, estava pensando nos olhos verdes da moça, que só viu de relance mas podia jurar que eram verdes bem vivos, e qual seria a mistura desses olhos com os seus, bem pretos? Se, por ventura, se casassem e tivessem filhos, eles teriam olhos verdes, pretos ou dos dois tipos? Quando se censurava por nunca ter dado muita atenção à Biologia e, em especial, à Genética, que progredia a longos passos, viu sua dama misteriosa ir embora tão rapidamente que, em dois piscar de olhos, já não dava mais para distinguir sua silhueta ao longe. Se não fosse a flor caída ao seu lado, aquela que vira presa, minutos antes, nos cabelos castanhos dela, poderia sonhar que ela nunca estivera ali.
Pegou a flor e, com ela, cuidadosamente, marcou a página do seu livro.
Nunca mais viu aquela estranha, mas sempre a agradeceu profundamente e sempre guardou aquela flor consigo, dentro do mesmo livro. Por sua influência, mesmo que inconsciente, ele, sem saber por quê, indagou-se acerca de um casamento. E foi essa indagação que o perseguiu por alguns dia. Nunca tivera essa pretensão. Foi por causa da moça da flor que ele deu uma chance à vida de casal. Deu uma chance à moça ao lado da sua casa, que sempre demonstrou muito afeto por sua pessoa e que lhe mandou alguns bolos e doces quando estava de cama.
É feliz. Hoje tem filhos. De olhos pretos.
A flor ainda está lá, pra qualquer um que quiser ver, dentro do livro.

Um comentário:

  1. Ah, que conto lindo. *-*
    Sempre quis que aparecesse um garoto legal quando estava na praça lendo... huahuahuha
    Essa cena é tão clichê, mas tão fofa.

    Beijos

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