quinta-feira, 19 de julho de 2012

A virgem

Maria Rita sempre tivera uma personalidade forte. E põe forte nisso! Ela nunca ia pela cabeça dos outros e, desde pequena, defendia seus argumentos como qualquer adulto. Às vezes ela não estava certa, é claro, mas, mesmo assim, continuava firmemente com o seu ideal. Quando colocava algo na cabeça, ninguém tirava dali. Ela ia até o fim.
Um certo dia, aos 8 anos, Maria Rita chegou para sua mãe e disse:
- Mãe, a senhora não vai ser avó.
- Não vou ser avó? Por que isso agora, Maria Rita? De qualquer maneira, você ainda é muito nova para pensar nessas coisas.
Não se intimidando pelos comentários da mãe, a garota continuou:
- Decidi que quero morrer virgem.
A mãe, que estava bordando um pano, virou-se e encarou a filha. A coisa estava começando a ficar séria.
- Desde quando você sabe o que é ser virgem, minha filha? E quem enfiou essa história na sua cabeça?
- Ninguém enfia nada na minha cabeça, mãe. Só decidi que quero morrer virgem.
- Querida, esses assuntos ainda não são para você. Além do mais, você nem sabe o que é ser isso direito. Quando você crescer, vai achar graça disso.
- Não, não vou. Vou morrer virgem.
E saiu saltitando para brincar com suas bonecas.
Crianças inventam tanta coisa, pensou a mãe. Isso é apenas uma fase. Com certeza ela teria visto aquilo em algum filme ou novela e decidiu repetir, como acontece com toda criança. Morrer virgem, tem até graça. Logo a Maria Rita, que é tão espevitada? Nunca. Daqui a uns vinte anos, vou estar correndo atrás dos meus netinhos pela casa. A mãe acalmou-se e esqueceu o assunto, já que não lhe deu muita importância. Não mencionou o ocorrido a ninguém.
Só que, como já foi dito, Maria Rita vai até o fim. Aos 12 anos, sentada na mesa comendo a ceia de natal, escutava a mãe contar entusiasmada para os parentes que a sua garotinha agora era uma mocinha.
- Não acredito! A Ritinha? Mas lembro que até ontem a segurava nos braços.
- Pois é, como o tempo voa!
E o pai comentou:
- Voa mesmo. Daqui a pouco eu serei avô.
E Rita, que estava prestando atenção à conversa mas que se mantivera calada até então, abriu a boca e perguntou, inocentemente, ao pai:
- Papai, o senhor amaria um neto adotado, não amaria?
- Adotado? – Pego de surpresa, continuou: - Claro, filha... Mas, um adotado nunca substitui um neto que tem seu sangue, não é?
- Mas eu não vou ter filhos. Vou morrer virgem.
Todos se entreolharam confusos por um segundo. Aquela menina entendia o que estava dizendo?
Até que o silencio foi quebrado:
- Você vai querer ser freira, é isso, Ritinha?
- Não, tia.
Durante toda aquela noite não se falou mais naquele assunto, todos estavam receosos demais. Porém, no outro dia, Maria Rita era o assunto de todos da família. Até o tio que estava de férias no Paraguai soube o ocorrido. Era só no que se falava, embora ninguém levasse a sério as palavras da criança. A notícia era dada como se fosse uma piada. A garota só tinha 12 anos e queria morrer virgem, vejam só!
Maria Rita fez 13, 14, 15, 16... e aí veio seu primeiro namorado, o que fez os pais pensarem que, lógico, ela tinha desistido da ideia absurda.  Mas não. Ela tivera 4 namorados e todos haviam arranjado um jeito de acabar com o relacionamento quando descobriam a maluquice que ela insistia em levar em frente. Nenhum durava. Ninguém a amava. Por vezes, a pobre menina quis desistir da sua promessa, mas seu ego era maior que a vontade. Ao ser indagada o porquê de tudo aquilo, ela apenas respondia:
- Quero alguém que me ame. Quero a pessoa certa.
Difícil ser diferente de todo mundo, ela bem sabia disso. Mas, de um jeito maluco, ela acreditava poder fazer a diferença. Ela acreditava estar plenamente certa. Ela acreditava que o problema não era ela, era o mundo, os outros. E quem poderia ir contra à tal irredutível pessoa?
Como o texto é meu e como eu escrevo que me der na telha, vamos ao fim bonito e previsível.
Maria Rita teve a coragem que as Marias Ritas do mundo não têm: a coragem de não desistir, seguir em frente. Aquilo já era questão de honra.
Começou seu relacionamento “sério” (com as aspas, ainda, porque o segredo ainda não tinha sido revelado) com o quinto cara e, decepcionada com a vida e com as pessoas, não esperou muito. Mas ela era direta, sem rodeios, sem pausas, sem vírgulas – diferentemente da simples mortal que vos escreve - , e, como fizera quatro vezes antes, segredou, numa tarde, o seu desejo ao namorado.
-  Você precisa saber de uma coisa...
- O quê?
- Eu quero morrer virgem.
- Eu também quero contar uma coisa.
- O que é?
- Te amo.
E foi ali que a menina que não queria ser mulher soube: tinha encontrado a pessoa certa. Procurou, procurou, procurou e finalmente havia encontrado o seu encaixe. A garotinha que com 8 anos viu num filme uma garota de 16 dizendo à sua mãe que queria morrer virgem só para poder convencê-la de que não iria fazer nada de errado numa festa, e correu para imitar a fala expressiva e legal que achara para sua mãe, e depois só continuou aquilo por pirraça, porque não queria voltar atrás, porque queria mostrar às pessoas que ela estava certa – nem ela mesmo tendo certeza disso, agora encontrara alguém que não ligava para aquilo. Era isso mesmo? Maria Rita 1, Sociedade 0?
A senhorita virgem noivou, casou e começou a morar junto. E depois teve filhos. Não, não eram adotados. Isso é só mais um texto bobo e meu, então eu termino assim:
Ela teve relações sexuais, mas morreu virgem. Virgem de influências alheias. Porque quis assim. Porque eu quero assim.
Vamos combinar, a Ritinha era muito espevitada, não é mesmo?
Morreu Virgem. Com letra maiúscula, uma vez que é mais expressivo. E uma vez, é claro, que o texto é meu. Que vocês todos sejam as Marias Ritas do meu texto inventado, e que o destino seja um escritor tão generoso quanto eu, modéstia à parte.

8 comentários:

  1. HAHAHA, achei uma graça! Muito legal mesmo. :)

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  2. Adorei o seu texto.
    Ha se existisse muitas Marias Ritas, o mundo seria outro!!!

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  3. Ahh,adorei.Precisamos de mais marias ritas como esta,eu,inclusive preciso ser mais maria rita,e tentar conservar minha Virgindade de influências alheias ( se é que não já perdi ) . Ótimo texto. Beeijo

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  4. "O verbo ler NÃO tolera o imperativo, temos que seduzir, provocar, enamorar.
    Ler por prazer é algo contagiante.
    Tudo isto servirá no futuro como verdadeiros anticorpos para o choque invitável contra a mediocridade, a hipocrisia e a vulgaridade quotidiana, contra a aridez do espírito, a insensibilidade e o declínio das faculdades sensitivas da beleza."

    [Biblioteca José Saramago]

    Venho te parabenizar pelo dia do Escritor! Que continuemos a encantar sempre!
    Abraço!

    http://apoetaesuasletras.blogspot.com.br/

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  5. Já disse que me identifico pra caramba com seus textos, não é? Pois é, eles lembram uma versão minha feminina! hahaha E o que dizer de Maria Rita? Poxa, como eu queria que todo mundo tivesse a persistência dela, de não desistir por nada daquilo que ela acreditava que fosse acontecer mesmo sabendo que teriam mil e um obstáculos até que ela morresse virgem...
    Excelente texto, Luana! Parabéns!

    Um beijo!

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  6. Seu texto ficou ótimo, Luana. Gostei demais do desfeche, me pegou de surpresa, sério!

    Sei que já sofri muita influência na minha vida, mas estou tentando ser que nem a Maria Rita. ;)

    Beijo :)

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  7. Que texto lindo. E genial! Que mais garotas pensem dessa forma ;D Não só na questão de esperar a hora certa, mas também de pensar sem influências alheias.

    Beijos!

    qualquerlink.blogspot.com

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  8. que texto lindo garota !
    tu escreve muito bem ^^'
    beeijos e fique com Deus :*
    http://contos-da-lua.blogspot.com.br/

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